O Serviço de Investigação Criminal (SIC) em Luanda anunciou hoje que está a investigar as circunstâncias da morte do líder da Associação Íris Angola (movimento LGBTQIP+), encontrado morto em casa, suspeitando de homicídio por asfixia.
Em declarações à Lusa, o director do gabinete de Comunicação Institucional e Imprensa do SIC Luanda, Fernando Carvalho, confirmou a morte de Carlos Fernandes, salientando que já existem suspeitos e que decorrem as investigações.
“Confirmamos a morte deste indivíduo, por asfixia, mas ainda não temos detidos e estamos a trabalhar no caso. As evidências levam-nos para homicídio, mas vai se fazer a autópsia para termos a certeza”, disse o oficial do SIC.
Carlos Fernandes, líder da Associação Íris Angola foi encontrado morto em casa, na segunda-feira, “em circunstâncias a confirmar pelas autoridades”, segundo um comunicado da Associação Íris.
A única associação LGBTQIP+ (Lésbicas, Gays, Bissexual, Transgénero, Queer, Intersexo, Pansexual e mais) no país, legalizada pelo Governo angolano em Junho de 2018, manifesta “profunda tristeza e consternação” pela morte do responsável e diz que a sua partida deixa “um vazio imenso no seio da comunidade e luto profundo nos corações”.
Esta é a segunda morte de um membro da comunidade LGBTQIP+ em Luanda num intervalo de três semanas.
O portal angolano Club-K noticiou anteriormente a morte de um advogado da mesma comunidade no seu apartamento, alegadamente por asfixia motivada por questões passionais.
Sobre a morte do advogado, o porta-voz do SIC em Luanda deu conta que este foi enterrado na última semana em Benguela e que as investigações deste caso continuam em curso.
“Em princípio aventámos também um homicídio por asfixia, continuamos a trabalhar para os dois casos, temos alguns suspeitos, estamos no encalço”, assegurou.
Fernando Carvalho manifestou-se ainda preocupado pelas referidas mortes, tendo descartado, no entanto, qualquer ligação entre ambos os casos.
“A situação preocupa-nos, mas não por serem da comunidade gay, daí que diligenciar no sentido de ver estes dois casos esclarecidos e não metemos a causa de serem gays, mas por serem cidadãos nacionais”, concluiu o oficial de investigação.
Após uma espera de cerca de cinco anos, a Íris Angola – única associação LGBT de Angola e uma das raras em todo o continente africano, teve o seu registo aceite pelo Ministério da Justiça no país. A notícia, confirmada no dia 12 de Junho de 2018, motivou elogios de diversos sectores, nomeadamente da organização internacional Human Rights Watch.
Na altura, Carlos Fernandes, director da Íris Angola, citado pelo portal Global Voices, considerou esta legalização “um momento histórico” e o “virar da página para todos os cidadãos homossexuais, que passam a ter uma entidade reconhecida pelo Estado, o que dá ainda maior legitimidade às suas intervenções desta organização no quadro do trabalho que desenvolve na defesa e promoção dos direitos LGBT”.
Com a aprovação do Novo Código Penal, Angola revogou uma antiga lei colonial portuguesa do século XIX que criminalizava a homossexualidade com pena de prisão. O país então começou a investir em bandeiras de diversidade e aceitação, dando pequenos passos pequenos na direcção oposta do que era institucionalizado até então. Ainda antes desse movimento, surgiu a Associação Íris, a partir de um grupo de amigos que organizavam festas para a comunidade LGBTI+ em Luanda.
“Nós começamos a realizar algumas festas para a nossa comunidade que começaram a ficar muito populares, vinham pessoas inclusive de outras províncias. Por causa desse sucesso, ONGs como o PSI Angola (Internacional de Serviços Públicos (PSI, na sigla original), entraram em contacto connosco e perguntaram se poderiam distribuir camisinhas e lubrificantes nos eventos. A partir daí, começamos uma parceria. Passamos a realizar um trabalho de voluntariado no PSI e fomos o primeiro projecto de saúde sexual para homens que fazem sexo com homens”, disse Carlos Fernandes numa entrevista à ”Revista Híbrida”.
O malogrado Carlos Fernandes acrescentou: “Fomos contratados pelo PSI como assistentes e líderes do movimento LGBTI+. Em troca, queríamos apoio enquanto instituição e que todos os trabalhos feitos, apesar de ainda não termos estatuto, fossem creditados ao PSI Angola e à Associação Íris. Fomos para as ruas e fizemos clínicas móveis operadas especificamente por LGBTs para sensibilizar as pessoas. Também tivemos eventos fugindo do foco sobre o HIV/Sida, para não estigmatizar a comunidade”.
“Através da Saúde, consegue-se encontrar vários actores públicos no mesmo lugar. Então, consegue-se fazer com que eles todos comecem a conversar sobre isso. Além de conversa, foi também uma forma de começarmos as discussões com as autoridades, mas não de maneira pública. Acho que nossa luta foi mais de construções com o próprio Estado do que por fora. Muitas pessoas viram o Novo Código Penal e sentiram uma evolução”, afirmou Carlos Fernandes.
Já a LAMBDA, associação LGBT moçambicana, elogiou o reconhecimento da sua congénere angolana mas lamentou não ter recebido ainda o mesmo tratamento do governo de Maputo, do qual aguarda há uma década o reconhecimento formal.
Em 2020, o Director Executivo da Associação LAMBDA em Moçambique, Roberto Paulo, afirmou que “o que move a LAMBDA a advogar pelos direitos da comunidade LGBTQ moçambicana de uma forma particular é a necessidade de assegurar a observância e respeito dos direitos humanos, pois os direitos humanos são universais e aplicáveis a todos os cidadãos independentemente de aspectos específicos que os diferenciam uns dos outros e no caso vertente, a comunidade LGBTQ em Moçambique tem os seus direitos humanos sistematicamente violados de diferentes formas tendo como base para esta violação a identidade e expressões de género bem como a orientação sexual. Adicionalmente, a Lambda procura promover a visibilidade da comunidade LGBTQ que infelizmente vive escondida por medo da rejeição, do estigma e da discriminação, o que faz com que esta comunidade não possa contribuir de forma plena para o progresso do País, dado que muitas vezes o seu potencial é negligenciado ou ofuscado.”
Folha 8 com Lusa
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